O PRÉDIO DA BIENAL, EM SÃO PAULO ©AGÊNCIA FOTOSITE
A
próxima edição do São Paulo Fashion Week, que acontece entre os dias 25
e 29 de abril, no prédio da Bienal, não será pautada por uma estação ,
trazendo propostas que refletem o novo momento da moda, e que foram
lançadas ao longo de suas edições nos últimos 20 anos de evento. Este é o
SPFW de número 41, mas, principalmente, a fashion week que reflete o
resultado de ações feitas muito antes, do pioneirismo na transmissão ao
vivo dos desfiles em 2001 à discussão da sustentabilidade, do consumo
consciente, dos valores de origem de produção levantados no tema da
edição já em 2007, passando por ações concretas como a compensação da
emissão de carbono gerada pelo evento com plantio de árvores, ação única
entre fashion weeks de todo o planeta. Única semana de moda do mundo –
Paris recomenda, mas não tem como norma – a fixar a idade mínima de 16
anos para a participação das modelos, prevenindo que as mudanças no
corpo antes de tal idade aumentem riscos de saúde relacionados à
anorexia, incentivadora das cotas raciais nas passarelas, a fashion week
de São Paulo tem, na sua essência, a aproximação com o consumidor e com
o mercado, e reafirma este DNA neste momento em que as mudanças no
sistema de moda levam justamente a esse caminho.
O
FFW conversou com Paulo Borges, fundador e diretor criativo do São
Paulo Fashion Week, sobre o legado da semana de moda e o que está por
vir a partir da próxima temporada.
RUPTURA
FFW: Os
tempos mudaram, e a moda sempre foi um termômetro essencial para medir a
temperatura da sociedade, refletindo muitas vezes antes o que estava
por vir.
Paulo Borges: A
moda vem traduzindo isso de uma maneira sintomática, quando se discute a
criatividade na moda, a banalização do consumo, o valor da criação, a
velocidade. Para mim é uma nova antropofagia e um novo Modernismo. A
gente se alimentou nos últimos 50 anos de valores e questões que agora
se esgotaram: esgotaram-se os valores políticos, artísticos, econômicos.
É como se estivéssemos nauseados de tudo que tínhamos, não queremos
mais nada disso. O mundo hoje é plural, e os grandes conflitos acontecem
porque muitos grupos resistem a isso. Estamos falando de muitas
mudanças, de querer ver e sentir diferente, novas construções de
famílias, de relações. As redes sociais e a internet dão acesso e
velocidade de informação como ninguém imaginou. Tudo isso está criando
um momento de ruptura. Uma ruptura que já está acontecendo, e quando
você reúne todas as propostas de transformações que o SPFW fez ao longo
das décadas, percebe como elas são contemporâneas. É como se tudo
tivesse sido preparado para essa nova era: a gente preparou o mercado
para ele funcionar agora. E que coloquemos a mão na massa e ajudemos a
construir os novos tempos.
NOVOS PROTAGONISTAS
FFW: Num
momento de crise brasileira profunda, o evento anuncia um número
recorde de empresas patrocinadoras ( Natura, Mercedes-Benz, American
Airlines, Coca-cola, AngloGold, Visit Florida – Brand USA são algumas
das marcas que participarão ao lado de Iguatemi São Paulo, Riachuelo, M
Martan, Euro, Schweppes, TNT, Miller, entre outras) e vai trazer 7 novas
grifes estreantes nas passarelas: Amir Slama, A.Brand, Cotton Project,
Murilo Lomas, Vix, À La Garçonne (com coleção assinada por Alexandre
Herchcovitch) e Amabilis (dentro do projeto Top Five). Isso dá incentivo
ao mercado, que percebe um movimento de realizações na moda? Significa
uma maior articulação do setor?
PB: Não
é o maior faturamento, porque tivemos que negociar com marcas e
empresas, o que mostra a maturidade do evento. Em média fechamos tudo em
torno de 20% mais barato. Mas isso também mostra o diálogo de
fortalecimento. Como é importante poder contar com o diálogo e poder
fazer as coisas acontecerem. No caso das grifes estreantes, elas
representam também este momento da moda. A gente está vivendo um novo
ciclo de protagonismo na moda, com novas formas e maneiras de criá-la e
encará-la. E é isso o que essas novas marcas representam.
TEMA PARA DISCUSSÕES
FFW: “Mãos que valem Ouro”, essa é a temática do SPFW 41. O que se deseja provocar como reflexão?
PB: O
tema traz à tona a discussão sobre a importância de “colocar a mão na
massa”, e das transformações e inovações que isso gera no Brasil, que
precisa valorizar e evidenciar seus processos artesanais. O fazer
realiza o pensar. Temos insistido que essa diversidade criativa
brasileira é muito rica, não só cultural, como de produto. Nossa
capacidade de ter teares, mão para estampar, para colorir, rendas. Tudo
isso dá à nossa moda uma razão muito própria e ainda muito pouco
valorizada e utilizada. Tudo isso vai gerar uma riqueza de construção e
tem que sair do estereótipo da roupa de artesanato. O artesanato tem que
sair da feirinha para ganhar valor e inovação. A referência ao ouro vem
desse valor do Brasil ligado a ele: desde o ouro olímpico, porque temos
uma participação nessas Olimpíadas, além de sediá-las, na moda temos
trabalhado as roupas nas cerimônias de abertura, tanto dos Jogos
Olímpicos como Paralímpicos de 2016. E o ouro traz o nosso DNA, a nossa
história.
MERCADO E CONSUMIDOR
FFW: Quando
o mercado internacional aqueceu as discussões sobre aproximar o fashion
week do consumidor final e veio à toda a máxima do “see now, buy now”
(veja agora e compra agora), o SPFW saiu na frente e já anunciou uma
mudança de calendário a partir de 2017. Por que o mercado brasileiro foi
o primeiro a estar pronto?
PB: Quando
o São Paulo Fashion Week começou, tínhamos um statement claro: 30 anos
para se construir uma plataforma de moda e design que pudesse incluir
mercado, processo e pessoas. Mercado: atender o mercado e ser uma
plataforma de convergência para todo o País, que é um país continental.
Temos um gigantismo de território que faz com que as demandas sejam
diferentes, com soluções diferentes também, e isso cria um mercado
atípico. No sentido de informação, o objetivo era introduzir a formação
profissional, educar o olhar, trazer a importância da inovação, da
identidade, da criatividade. O SPFW sempre teve um tema, nunca ligado às
coleções, mas à discussão, introduzindo para o cenário brasileiro a
necessidade de formação, acadêmica e cultural. A ideia sempre foi, e
continua sendo, esse processo para a discussão com o consumidor. Do
contrário, o evento seria focado só na indústria. Desde o princípio
acreditávamos que o consumidor deveria estar atrelado a esse processo.
Então, desde o começo, em vez de ficarmos fechados, a gente se abriu.